Ano 5 | Nr.59 | junho 2020

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Editorial

Medicina de Viagem de Extremos 

O Homem nasceu nómada. A curiosidade e a tentativa de ultrapassar os limites sempre esteve intrínseca à sua identidade. Quando, há 200000 anos, abandonámos Africa Oriental, com dificuldade e condições adversas, com as limitações de saúde associadas a essa deslocação, com perigos desconhecidos, ele arriscou. 

Hoje o Homem continua a viajar, de facto, cada vez mais.

Há dois tipos de viajantes que cada vez mais aparecem nas consultas do viajante: as pessoas com incapacidade, que querem ver, estar, fazer e sentir reduzindo limitações e, por outro lado, o viajante profissional, que não procura os locais comuns, que já viajou por mais de meia centena de países, e que procura cada vez locais mais exóticos, atingindo o mais inacessível.

Tendo-me focado, nos últimos anos, nestes dois perfis de viajantes, a preparação necessária a este tipo de viagens e viajantes é complexa e exige tempo e condições.

A avaliação inicial é primordial. É o momento em que vamos gerir expectativas e tudo o que vai implicar uma viagem desta dimensão. É elaborado um plano, tendo em conta o(s) viajante(s) (problemas de saúde), o local, o período, e as principais dificuldades que possam encontrar.

Num segundo tempo, a preparação, é a fase disruptiva desta abordagem. Pode passar por otimização a vários níveis (reabilitação cardíaca, músculo-esquelética) gestão de medicação, treino propriocetivo em diversas plataformas, simulação de condições externas, formação em suporte básico ou sobrevivência, briefings sobre o percurso, etc.

É uma tarefa complexa, completa e abrangente, mas acima de tudo muito entusiasmante de parte a parte (viajante, médicos e profissionais de saúde), com um objectivo final específico enquadrado em vários objectivos parciais. Para tal, nestas viagens de maior risco, é necessária uma equipa coesa a trabalhar com o mesmo rumo, com uma abordagem diferenciada, com diferentes competências, médicas, organizacionais e logísticas.

A conclusão do plano é sempre recompensadora, mesmo que no limite a decisão seja o “no go” (não apto, ou um limite inferior ao inicial) pois quer a níveis físicos, emocionais e de superação o viajante já elevou a sua fasquia e estará na altura mais apto e melhor condicionado do que no início.

Dependendo do tipo de viajantes e da organização inicial, nos casos de viagens mais extremas é efectuado um acompanhamento presencial (com toda a logística e monitorização implicadas) por médicos especializados, com reconhecimento do percurso.

Ter uma pessoa, pós-AVC, a poder conhecer o círculo polar ártico, ou pós-EAM, a viajar pela patagónia, ou viajantes profissionais no Evereste ou a subir ao topo do Kilimanjaro em condições de segurança é tão entusiasmante como reconfortante, e um caminho para uma maior acessibilidade da curiosidade natural.

Neste momento, devido aos constrangimentos associados às deslocações,  sobretudo a falta de harmonização das diferentes regras de região para região, não tem sido possível fazer estas viagens. Para além dos maiores cuidados e preparaçao que temos que ter, juntando a isso possíveis quarentenas ou encerramento de fronteiras, torna estas viagens, por enquanto, ainda inviáveis. Curiosamente, a nível de saúde individual e colectiva, cumprindo as regras estipuladas nos aeroportos e  nos voos, este tipo de viagens até seriam um boa (e segura) solução!

 

 Pedro Caetano                   
                                                              Médico de Viagem e Aeronáutica
                                                              PLANET EXPLORERS Medical Solutions
                                                              UCS-TAP Air Portugal             

                                                                  

 

ATUALIDADES NA MEDICINA DO VIAJANTE

Numa altura em que as viagens ainda são muito limitadas, e o tempo, a necessidade, e a informação existente estão praticamente entregues à infeção por SARS-CoV-2, decidimos trazer-vos três preocupações para quem viaja na Europa:

No sul da Alemanha o número de carraças (Ixodes ricinus) está novamente a um nível recorde. Em 2020, nas áreas estudadas, o numero de carraças adultas aumentou 3 vezes em comparação com o do ano de 2019. Nas mesmas áreas, 18 amostras de carraças foram positivas para o vírus TBE, quando apenas 5 em 2019. Foram também encontradas situações idênticas noutras regiões da Alemanha e em algumas zonas de fronteira com a Áustria, Suíça e França.

A França identificou o seu primeiro surto de encefalite transmitida por carraças a partir do consumo de produtos lácteos crus, com mais de 40 pessoas afectadas. As infecções estão ligadas ao consumo de uma marca de queijo de cabra de leite cru em Ain, na região de Rhone-Alpes, entre Abril e Maio deste ano. No final de Maio o diagnóstico do vírus da encefalite transmitida por carraças (TBE) foi confirmado para 33 dos 44 casos. Os outros 11 estão sob investigação. A maioria das infecções pelo vírus TBE são transmitidas por carraças infectadas, mas, em raras ocasiões, a infecção pode resultar do consumo de leite não pasteurizado de cabras, ovelhas ou vacas infectadas. A doença é prevenível por vacina.

Na Bulgária foi identificado um caso de febre hemorrágica da Crimeia-Congo (CCHF). A doença, transmitida por picada de carraça e fatal sem tratamento, pode também ser transmitida de pessoa a pessoa por via sanguínea. Nas primeiras semanas de junho houve, na Bulgária, um grande aumento do número de pessoas internadas após uma picada de carraça, tendo sido contabilizadas 4 com borreliose de Lyme, 7 com febre maculosa mediterrânica, e 9 novos casos de febre Q.

 

PUBLICAÇÕES SELECCIONADAS

 

Fractional-dose yellow fever vaccination: An expert review
Roukens A, Visser L
Journal of Travel Medicine
DOI: 10.1093/jtm/taz024

Yellow fever vaccine and risk of developing serious adverse events: A systematic review
Porudominsky R, Gotuzzo E
Revista Panamericana de Salud Publica/Pan American Journal of Public Health
DOI: 10.26633/rpsp.2018.75

Atovaquone-proguanil exposure in pregnancy and risk for adverse fetal and infant outcomes: A retrospective analysis
Gutman J, Hall C, Khodr Z et al.
Travel Medicine and Infectious Disease (2019) 32
DOI: 10.1016/j.tmaid.2019.101519

Traveler's diarrhea in Nepal - Changes in etiology and antimicrobial resistance
Murphy H, Bodhidatta L, Sornsakrin S et al.
Journal of Travel Medicine (2019) 26(8)
DOI: 10.1093/jtm/taz054

Guidelines for the prevention of travel-associated illness in older adults
Lee T, Hutter J, Masel J et al.
Tropical Diseases, Travel Medicine and Vaccines
DOI: 10.1186/s40794-017-0054-0

Hepatitis A vaccine immunogenicity in patients using immunosuppressive drugs: A systematic review and meta-analysis
Hannah M.Garcia Garrido, Ati M. Veurink, Mariska Leeflang René Spijkerc Abraham Goorhuis, Martin P. Grobusch
Travel Medicine and Infectious Disease
Volume 32, November–December 2019
10.1016/j.tmaid.2019.101479

The surveillance of four mosquito-borne diseases in international travelers arriving at Guangzhou Baiyun International Airport, China, 2016–2017
Xue Fenga, Wei Sun, Guthrie S.Birkhead
Travel Medicine and Infectious Disease
Volume 32, November–December 2019
10.1016/j.tmaid.2019.101513

International travelers receiving pharmacological immunosuppression: Challenges and opportunities
Tarazona B, Díaz-Menéndez M, Mato Chaín G
Medicina Clinica
DOI: 10.1016/j.medcli.2017.08.011

 


 

FICHA TÉCNICA

Edição 
Direção da SPMV

Corpos Diretivos da SPMV
Direção 
Prof. Doutor Jorge Atouguia 
Clinica de Medicina Tropical e do Viajante, Lisboa 
Presidente 

Prof.ª Doutora Cândida Abreu 
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto 
Centro Hospitalar de São João, Porto 
Secretária-Geral 

Dr. Dinarte Nuno Viveiros 
Unidade de Saúde Pública, 
Agrupamento de Centros de Saúde Pinhal Interior Norte
Centro de Vacinação Internacional, Coimbra 
Vogal

Mesa da Assembleia Geral 
Prof. Doutor Saraiva da Cunha 
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra 
Presidente 

Dr. Nuno Marquesⁱ 
Hospital Garcia da Horta, EPE 
Vice-Presidente 
ⁱ dispensa temporária 

Dr. Jorge do Valle 
Unidade de Saúde Pública, 
Agrupamento de Centros de Saúde Algarve II –Barlavento 
Secretário  

 

 

Conselho Fiscal 
Dr.ª Delfina Antunes 
Sanidade Internacional, 
Administração Regional de Saúde do Norte 
Presidente 

Dr.ª Sandra Xará 
Centro de Vacinação Internacional, 
Centro Hospitalar do Porto 
Secretária-Relatora 

Enf. André Silva 
Centro de Vacinação Internacional, 
Centro Hospitalar do Porto 
Vogal 

  

 

 

Supervisão e apoio Técnico Informático

Daniel Garrido 

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