Ano 9| Nr.89 |out 2024
Editorial
A febre hemorrágica da Crimeia-Congo
A febre hemorrágica da Crimeia-Congo (FHCC) é uma doença infecciosa transmitida por carraças associada a uma taxa de mortalidade elevada (15% a 30%) e possui uma distribuição geográfica global. Têm sido reportados casos desde a África até ao Médio Oriente, Ásia Central e Europa de Leste e Sul. Trata-se de uma febre hemorrágica viral, pelo que provoca disfunção multiorgânica, tendo por base o atingimento do sistema vascular e possui um período de incubação de 3 a 12 dias. Apresenta-se como uma doença febril aguda acompanhada de sinais de diátese hemorrágica. No período pré-hemorrágico (1-7 dias) pode existir febre, mialgias, cefaleias, alterações súbitas do humor, rigidez da nuca, fotofobia, náuseas e dores abdominais e posteriormente insónias, hepatomegália, adenopatias periféricas, icterícia, petéquias e hemorragias (período hemorrágico: 2-3 dias). A partir do 5º dia, pode surgir falência multiorgânica com coagulação intravascular disseminada. Nos sobreviventes, o período de convalescença (10 a 20 dias após início da sintomatologia) pode cursar com alopécia temporária, taquicardia, xerostomia, polineurite.
Em 1944 surgiu na Crimeia um surto de febre hemorrágica em trabalhadores agrícolas e militares soviéticos, e em 1967 foi isolado o seu agente etiológico que foi denominado de vírus Crimeia.Em 1969 foi demonstrado que este vírus era idêntico ao vírus Congo que tinha sido isolado em 1956 e desde então os dois nomes passaram a ser utilizados conjuntamente para designarem o mesmo agente.Este vírus pertence ao género Nairovirus da família Bunyaviridae. A transmissão ocorre através de picada ou esmagamento de carraças Ixodes, particularmente dos géneros Hyalomma, Dermacentor e Rhipicephalus. São vários os animais domésticos e selvagens que podem ser hospedeiros.A FHCC tem sido associada a surtos nosocomiais esporádicos, mas particularmente graves, após contacto com órgãos, sangue, secreções, ou outros fluidos de doentes durante a fase aguda da doença.O contacto com sangue ou outros fluidos de animais infectados particularmente durante a sua matança constitui outra via de transmissão possível.
Na Europa, o primeiro caso foi diagnosticado na Bulgária na década de 1950. No ano 2001 ocorreram algumas dezenas de casos de FHCC no Kosovo.Em 2008 foi reportado o primeiro caso de transmissão autóctone na Grécia e em 2016 na Espanha, na província de Ávila, cujo desfecho foi fatal. Um estudo retrospectivo realizado em 2020 demonstrou que um caso não letal já tinha ocorrido na mesma província em 2013. Relativamente a Portugal, na região sul, num estudo realizado na década de 1980, foram detectados no soro de duas pessoas anticorpos contra o vírus da FHCC. Desde os anos 1999 e 2001 têm sido identificados em Portugal, ixodídeos, nomeadamente da espécie Hyalomma marginatum, que estão associados à transmissão deste vírus. Em 2014 foi implementada a vigilância nacional do vírus da FHCC no programa de vigilância das carraças e doenças transmitidas por carraças incluído na rede de vigilância de vectores - REVIVE. Apesar da identificação de uma densidade elevada de ixodídeos das espécies Hyalomma marginatum e Hyalomma lusitanicum em Portugal, até á data, este vírus não foi detectado em carraças.Em 2022 foi publicado um estudo de seroprevalência nacional em ovinos que revelou a detecção de anticorpos contra o vírus da FHCC em gado ovino no Alentejo com uma seroprevalência de 0,74%. Em agosto de 2024 foi reportado o primeiro caso de transmissão autóctone no norte de Portugal, no concelho de Bragança, num agricultor com quadro de doença aguda febril, tendo o diagnóstico sido efectuado post mortem.
O método de eleição para o diagnóstico laboratorial é por reacção em cadeia de polimerase (PCR) que deverá ser realizada nos primeiros 9 dias de doença. O tratamento é de suporte. Contudo, a ribavirina é o antivírico recomendado para os doentes infectados com febres hemorrágicas virais, embora o seu mecanismo de acção ainda não esteja totalmente esclarecido. De momento, não existem vacinas licenciadas contra a FHCC. Assim, a prevenção assenta na utilização de repelente de insectos (p.ex. contendo DEET) para evitar picadas de carraças. Recomenda-se ainda a utilização de luvas, mangas compridas e calças ao manusear animais onde o vírus da FHCC for encontrado. Deve ser evitado o contato com fluidos corporais de animais ou pessoas potencialmente infectados.
Nuno Marques, Infeciologista com competência em Medicina do Viajante
ULS Arrábida, EPE
Faculdade de Medicina de Lisboa
Vice-Presidente SPMV
Atualidades na Medicina do Viajante
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