Ano 5 | Nr.56 | março 2020
EDITORIAL
Em zona de risco sem ter feito consulta
A consulta de medicina do viajante tem por objectivo, na sua essência, a avaliação dos riscos do quotidiano. O quotidiano do nosso local de origem e o quotidiano do destino. Quanto mais diferenças existirem entre esses quotidianos, maior o risco do viajante. E quanto mais doenças infeciosas existirem no destino, maior o risco. Sem nos termos deslocado fisicamente, temos vindo a entrar, desde o mês passado, numa zona de risco. O nosso quotidiano atual é diferente do que tínhamos em janeiro, e nesta nova zona de risco existe uma nova doença infeciosa. Viajámos, assim, para um novo destino, mas sem termos feito consulta de medicina do viajante. Porque ninguém a saberia fazer.
A informação completa, atualizada, e aplicada às características psico-comportamentais do viajante e aos riscos do destino, é o pilar fundamental da consulta de medicina do viajante. Nesta viagem, porém, não conseguimos ter uma informação cientificamente sedimentada pelo tempo e por estudos credíveis. Três meses de (já muito – nunca se soube tanto em tão pouco tempo) conhecimento não são suficientes para se estabelecerem definitivamente e com segurança rotinas, padrões, normas de atuação ou comportamento. Credível, firme, sem discussão, é a recomendação das Autoridades de Saúde – distanciamento social. Se não contacto com o vírus, não me posso infetar. Mas existe muita outra informação que se dissemina com extraordinária rapidez e que nos chega, a nós, viajantes deste novo quotidiano, frequentemente incompleta e de difícil compreensão. Sobretudo quando emanada a partir de fontes pouco credíveis ou mal-interpretada/deturpada por múltiplas passagens pelas redes sociais. Juntemos a isto características individuais dalguns dos que produzem informação (esta zona de risco é propícia a personalidades que nunca tiveram visibilidade científica, e encontram agora uma oportunidade única para ver o nome nos media e nas redes sociais) e a sensação do viajante sem consulta de aconselhamento (todos nós) é de ansiedade e insegurança. Neste nosso novo quotidiano, as perguntas surgem – como profissionais de saúde, nos centros de saúde, nos hospitais, nas visitas domiciliárias aos infetados, nas fronteiras; como indivíduos, nos locais de trabalho, em casa, os filhos, os mais velhos… as respostas vêm de todos os lados, umas oficiais, mas muitas outras de diferentes origens, concordantes ou contraditórias. Numa viagem com uma duração imprevisível e sem consulta de medicina do viajante, o desconhecimento, o cansaço, o desgaste psicológico, a ansiedade, o medo do desconhecido, conduzem facilmente a um aumento dos riscos.
Não corra riscos. Se puder, não viaje.
Jorge Atouguia
Presidente da Direção da SPMV
ATUALIDADES NA MEDICINA DO VIAJANTE
Continua em curso a pandemia de COVID-19, iniciada a 31 de dezembro de 2019 na China, havendo neste momento mais de um milhão de casos confirmados. Na nossa ultima newsletter Portugal contabilizava quatro casos, agora (5 de abril de 2020) ultrapassou os 12 mil. As recomendações da DGS e da SPMV devem ser seguidas por todos, quer durante o afastamento social, quer durante qualquer viagem.
Nos Países de Expressão Portuguesa, o numero de casos e de mortes por COVID-19 é ainda baixo, com excepção do Brasil. Em 7 de Abril, o Brasil tinha mais de 12000 casos (quase 600 mortes), Angola, 16 casos (2 mortes), Cabo Verde, 7 casos (1 morte), Guiné-Bissau, 33 casos (uma preocupante subida de 15 casos desde o dia anterior), Moçambique, 10 casos, S. Tomé e Príncipe 4 casos, Timor Leste, 1 caso.
Nos EUA, contabilizam-se, este ano, pelo menos 39 milhões de casos de gripe, 400.000 hospitalizações e 24.000 mortes. A taxa global acumulada de hospitalização subiu, nas ultimas duas semanas, de 65,1 para 67,3 por 100.000 habitantes. As taxas para crianças dos 0 aos 4 anos (93,9 por 100.000) e adultos dos 18 aos 49 anos (35,2 por 100.000) são as mais elevadas desde que o CDC começou a ter estes registos - mais elevadas do que durante a pandemia de H1N1 de 2009.
Na República Democrática do Congo (RDC) o surto de Ébola está na sua fase final, sem novos casos nas ultimas 3 semanas. Em 28 de Março estavam contabilizados o total de 3453 casos, 3310 confirmados, 143 prováveis, 417 suspeitos, 1169 sobreviventes e 2264 mortes (66% de mortalidade).
PUBLICAÇÕES SELECCIONADAS
Annelies Wilder-Smith. Evaluation of a tetravalent dengue vaccine by serostatus and serotype. Lancet 2020 March 17 Tricou V, Sáez-Llorens X, et al. Safety and immunogenicity of a tetravalent dengue vaccine in children aged 2-17 years: a randomised, placebo-controlled, phase 2 trial. Lancet 2020 Mar 17. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30556-0. Biswal S, Borja-Tabora C, et al. Efficacy of a tetravalent dengue vaccine in healthy children aged 4-16 years: a randomised, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet. 2020 Mar 17. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30414-1. Patel MK, Antoni S, Nedelec Y, Sodha S, Menning L, Ogbuanu IU, Gacic Dobo M. To KK, Tsang OT, Leung WS, et al. Temporal profiles of viral load in posterior oropharyngeal saliva samples and serum antibody responses during infection by SARS-CoV-2: an observational cohort study. Lancet Infect Dis. 2020 Mar 23. pii: S1473-3099(20)30196-1. doi: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30196-1. Driggin E, Madhavan MV, Bikdeli B, et al. Cardiovascular Considerations for Patients, Health Care Workers, and Health Systems During the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Pandemic. J Am Coll Cardiol. 2020 Mar 18. doi: Givi B, Schiff BA, Chinn SB, et al. Safety Recommendations for Evaluation and Surgery of the Head and Neck During the COVID-19 Pandemic. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. 2020 Mar 31. doi:https://doi.org/10.1001/jamaoto.2020.0780. |
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