Ano 5 | Nr.57 | abril 2020
EDITORIAL
Crónica de uma infeção anunciada
Bem se poderia chamar, quase plagiando Gabriel Garcia Márquez na sua obra de 1981. Comecei a segui-lo atentamente, após os primeiros rumores vindos do extremo oriente, em janeiro último, e a observação do aumento abrupto e exponencial de casos na região da Lombardia, em Itália, em finais de fevereiro. E cedo se começou a perceber a gravidade e potencial de disseminação e letalidade deste agente infecioso - o vírus SARS-CoV-2.
Um dos dois primeiros casos em Portugal foi internado no Hospital e no internamento do serviço a que pertenço.
Tal como muitos, tomei a decisão de ficar só, enviando a família para fora do Porto para não a colocar em risco pela minha potencial exposição, e ofereci-me para estar na primeira linha de enfermeiros para o COVID-19. Tinha essa obrigação moral, dei o meu contributo em missões nos PALOP e agora chegara a hora de “jogar em casa”. Quem me conhece sabe da minha paixão pelas “tropicalidades”, e sempre acreditei que a ameaça global seria uma febre hemorrágica ou um agente infecioso originário dos trópicos, que atravessasse a barreira de espécie para o homem... Primeiro engano!
A 18 de Março, após agravamento de uma infeção respiratória, dores musculares generalizadas, cefaleias e uma tosse seca que se arrastava há 50 dias, embora sem qualquer link epidemiológico, a minha mulher tem um teste positivo para SARS CoV-2 em Vila Real, para onde a tinha enviado para estar protegida de mim. Segundo engano! E eu nem suspeitei que também já estivesse infetado. Terceiro engano...
A 21 de Março iniciei um quadro de astenia e dores musculares, cefaleias, antecedido, na noite anterior, por perda completa do olfato e paladar, sem febre e sem tosse. Liguei SNS24, e por iniciar alguma sintomatologia, e principalmente por conjugue infetado, fui indicado para testagem. Sem surpresa, estava também infetado. Os primeiros dias passei relativamente bem, sem agravamento do estado geral e até com supressão das cefaleias, da astenia e dores musculares. Ao nono dia pós testagem, iniciei súbito quadro de insuficiência respiratória à noite, durante o sono. Acordei com uma pressão torácica intensa e dificuldade em respirar. Tinha SpO2 de 94% e FC 48 bat/min, que reverteram nas 48h subsequentes. Durante todo este período de infeção mantive seguimento telefónico diário, que se prolonga até hoje. Sou seguido por quatro entidades diferentes (ARS Norte, USP, USF e SSO do Hospital), e ainda conto com as visitas da PSP para confirmarem o meu confinamento.
Realizei novo PCR a 17 de abril, que foi negativo, e seguindo as indicações da DGS à época, realizei novo teste a 20 de abril para a almejada alta clínica. No entanto, voltei a testar positivo e apresentar RNA de SARS-CoV-2. Uma semana depois, a 27 de abril, nova testagem, e novo resultado positivo. Trinta e sete dias depois do primeiro teste, mantenho RNA positivo, anosmia e ageusia.
Casos semelhantes têm vindo a ser reportados, pelo que deveremos ter em consideração que apenas um teste negativo na gestão de alta clínica poderá não ser suficiente. Necessitamos de incluir nos critérios de cura outros métodos de diagnóstico que ajudem na confirmação da existência de vírus em atividade e com possibilidade de serem transmitidos. Cada dia que passa conheceremos certamente muito mais acerca deste vírus que marcará a nossa época.
André Silva
Enf. Esp. Resp. CVICHUP
Serviço Doenças Infeciosas
Centro Hospitalar Universitário Do Porto
ATUALIDADES NA MEDICINA DO VIAJANTE
A situação da pandemia por COVID-19 concentrou toda a atenção nos dois últimos meses, como seria expetável numa situação deste tipo. O reconhecimento do potencial pandémico de novos agentes infeciosos em particular os agentes zoonóticos, faz-nos repensar o mundo, a globalização, a mobilidade e os estilos de vida. Nada ficará igual depois da pandemia. Não sabemos como a Medicina do Viajante se irá adaptar a esta nova realidade mas certamente que ressurgirá, com a reponsabilidade cada vez maior de ser agente de vigilância epidemiológica, de mitigação de risco, de contribuição activa no debelar de futuras doenças pandémicas de que esta será apenas mais uma na história da humanidade. Porque a vontade e o gosto de explorar novas geografias, outras culturas e outras gentes, essa resistirá a qualquer pandemia.
PUBLICAÇÕES SELECCIONADAS
The effect of travel restrictions on the spread of the 2019 novel coronavirus (COVID-19) outbreak. |
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