Ano 7| Nr.71 | fev 2022
Editorial
Viajantes e resistência a antimicrobianos
A resistência ao antimicrobianos é um dos problemas mais relevantes com que a Medicina se depara no século XXI, estimando-se que possa vir a ser responsável por cerca de 10 milhões de mortes anuais no ano de 2050. Assim, após anos de progresso médico ímpar, alavancado em larga medida pela disponibilidade crescente de vacinas e pela eficácia dos antimicrobianos, a humanidade confronta-se com uma ameaça que pode comprometer a nossa capacidade de realizar tratamentos e procedimentos médicos vistos, atualmente, como corriqueiros.
O aumento das resistências aos antimicrobianos deve-se à interação de múltiplos fatores, sendo a importância relativa de cada um ainda motivo de debate. No entanto, existe consenso relativamente ao papel da mobilidade das populações na disseminação das resistências. A sua importância encontra-se bem exemplificada na descrição inicial da estirpe de Klebsiella pneumoniae produtora da carbapenemase NDM-1, originária da India mas identificada, rapidamente, em vários países europeus e nos Estados Unidos da América. Adicionalmente, existe cada vez mais evidência de que as viagens podem ser um importante fator de risco para aquisição de estirpes resistentes e que essas estirpes uma vez adquiridas poderão ser transmitidas a contactos próximos ou à comunidade aquando do regresso.
Reconhecer quer o papel das viagens na disseminação de resistências aos antimicrobianos, quer que o viajante pode estar exposto a risco de aquisição de estripes resistentes implica, necessariamente, adaptações ao aconselhamento pré-viagem. Sabe-se, por exemplo, que viajantes que viajam para o Sudeste Asiático e que têm um episódio de diarreia do viajante tratada com antibiótico, têm um risco significativo de colonização por estirpes bacterianas produtoras de beta-lactamases de espectro alargado, devendo por isso aconselhar-se sobre formas de reduzir quer o risco de aquisição quer o risco de transmissão após o regresso. Também no âmbito do pós-viagem existem implicações da importância crescente das resistências aos antimicrobianos: a utilização adequada de antimicrobianos em viajantes que regressam doentes pressupõe que se considere a epidemiologia da resistência do local de origem e que se adapte o esquema terapêutico a essas particularidades. Adicionalmente, o viajante que regressa doente poderá merecer maiores cuidados quer em termos de rastreios de colonização quer em termos de medidas adicionais de controlo de infeção por forma a evitar disseminação.
A resistência aos antimicrobianos é uma ameaça global real, que só poderá ser combatida através de colaboração dinâmica entre os vários stakeholders, podendo a Medicina do Viajante, fruto da sua dinâmica intrínseca e constante atualização, desempenhar um importante papel.
Dr. Nuno Rocha Pereira
Médico Infeciologista UPCIRA - CHUSJ
Atualidades na Medicina do Viajante
Guiné-Bissau: casos confirmados de Poliomielite e suspeita de casos de Sarampo
Após ter sido dada como erradicada em 2019, a poliomielite regressou à Guiné-Bissau. O país já registou 4 casos confirmados de poliomielite em crianças.
Os casos diagnosticados tiveram confirmação pelo Instituto Pasteur de Dakar e são derivados das vacinas que estão a ser ministradas, não se trata de polio selvagem como no passado. Casos associados a vacina foram também diagnosticados nos países vizinhos: Guiné-Conacri, Gâmbia e Senegal.
Até o dia 6 de fevereiro [2022] há na Guiné –Bissau 15 casos suspeitos de sarampo.
Os 15 casos suspeitos de sarampo foram recolhidos no Setor Autónomo de Bissau (4 casos), 3 casos na região Bolama/Bijagós, outros tantos na região de Biombo e um caso na região de Gabu.
Febre de Lassa na Nigéria
Há já 77 casos confirmados de Febre de Lassa (FL) na semana de 7-13 fevereiro e foram declaradas 11 mortes; 278 casos são suspeitos. Os estados de Edo, Ondo e Bauchi são os mais afetados. É provável que este número aumente nas próximas semanas.
A FL é uma doença hemorrágica transmissível ao ser humano pelo contacto com excreta ou urina de roedores infectados ou pelo contacto com um caso provável ou confirmado de FL, dentro de um período de 21 dias depois do início dos sintomas.
PUBLICAÇÕES SELECCIONADAS
Vijayan V. Vaccines for International Pediatric Travelers. Pediatr Clin North Am. 2022 Feb;69(1):171-184. doi: 10.1016/j.pcl.2021.08.009. PMID: 34794673. Kalkman LC, Hänscheid T, Krishna S, Grobusch MP. Fluid therapy for severe malaria. Lancet Infect Dis. 2022 Jan 17:S1473-3099(21)00471-0. doi: 10.1016/S1473-3099(21)00471-0. Epub ahead of print. PMID: 35051406.
CURSOS 1. Curso de Medicina de Viagem e Populações Móveis - FMUP & CHUSJoão, Porto, de 4 de Março a 25 Março 22 (presencial) 2. Curso Medicina do Viajante – Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Maio e Junho de 2022 3. Hazards in Travel Health – Liverpool School of Tropical Medicine, Abril e Maio de 2022
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FICHA TÉCNICA
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