Ano 7| Nr.76 | jul 2022
Editorial
Guerra: uma ameça à saúde global
A invasão da Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro, despoletou um dos mais rápidos movimentos migratórios da história. Mais de 1/3 da população se deslocou: 8 milhões internamente e 6,3 milhões fugiram para países vizinhos, 90% são mulheres e crianças. Consequentemente foi ativada a diretiva da UE de proteção temporária para acolhimento nos vários estados membro, incluindo Portugal. Garantindo acesso a cuidados de saúde e de educação iguais à população local.
Treze milhões de pessoas continuam no terreno de guerra, encurraladas em áreas de luta intensa ou por destruição de infraestruturas. Enfrentam escassez de alimentos, água e cuidados médicos.
A localização de grande parte das unidades de saúde em zonas de conflito condiciona perturbações graves ao seu funcionamento. Há ruptura de linhas de abastecimento o que condiciona um acesso limitado a medicação, instituições e profissionais de saúde.
Existe assim, uma maior suscetibilidade a doenças transmissíveis. As condições de vida associadas ao conflito, nomeadamente os aglomerados de pessoas em abrigos, aumentam o risco de propagação de doenças por via respiratória, como a COVID-19 e sarampo. Por outro lado, a baixa taxa de vacinação aumenta o risco de surtos, particularmente em crianças pequenas. Foram reportados recentemente casos de poliomielite na parte ocidental do país. Existe ainda risco de doenças transmissíveis por água e alimentos, incluindo cólera, hepatites A e E. A violência de género e o abuso sexual são realidades crescentes, que acarretam risco de infeções de transmissão sexual.
A Ucrânia tem uma das taxas mais altas de infeções crónicas da Europa, como a infeção VIH/SIDA (prevalência 1% entre os 15 e 49 anos) e a tuberculose (incluindo com resistência). O pouco acesso a cuidados médicos bem como escassez de medicação, interromperam a prevenção, o diagnóstico e o tratamento destas condições e muito provavelmente acarretará um outcome destas patologias.
A OMS publicou um plano de resposta estratégica para esta crise humanitária. Além das ações em curso no terreno, também os países de acolhimento se organizaram para receber estas pessoas. No que concerne a doenças infeciosas é fundamental garantir o seguimento e tratamento dos doentes agudos e crónicos. A atualização vacinal nas várias faixas etárias é prioritária.
O facto do país em guerra ser europeu torna mais real o risco de ressurgimento de doenças que julgávamos extintas/controladas e longe do nosso país. Mas, se revisitarmos outros conflitos armados, percebemos que este problema não é novo. É exemplo disso a irrealizável erradicação da poliomielite no Afeganistão. Em 2017-18 a Síria enfrentou um surto de sarampo. Na mesma altura o Iémen atravessou um surto de cólera. As consequências na saúde global destes conflitos salientam a importância do suporte internacional na guerra da Ucrânia e o possível impacto na prática em medicina da viagem.
Maria João Gonçalves, MD
Infeciologista, ULSM
Atualidades na Medicina do Viajante
Febre Hemorrágica da Crimeia-Congo - Espanha
A 20 de julho foi reportado pelo governo de Castela e Leão, um caso de febre hemorrágica da Crimeia-Congo, atualmente sob tratamento no hospital de Ponferrada. A infeção é comum em África, Ásia, Médio Oriente e Europa de Leste e Sul. A doença é pouco frequente em Espanha mas um pequeno numero de casos têm sido diagnosticados nos últimos anos na época estival.
Vírus do Nilo Ocidental - Europa
Desde o inicio do verão de 2022 até ao dia 20 de julho foram reportados 21 casos de infeção pelo vírus do Nilo Ocidental em países europeus. Foram referenciados 15 casos em Itália (4 óbitos), 4 na Grécia e 2 na Sérvia.
Poliomielite - Argélia
A Iniciativa Global de Erradicação da Polio (GPEI) reportou um caso de poliomielite na Argélia a 15 de julho, em Tamanghasset, perto das fronteiras com o Níger e o Mali. O caso foi relacionado com o vírus da poliomielite circulante na Nigéria.
Leptospirose - Tanzânia
O Ministério da Saúde da Tanzânia confirmou a 18 de julho um surto de leptospirose no sul do país, com 20 casos reportados e 3 óbitos.
Zika - Tailândia
Foram reportados pelos Ministérios da Saúde do Reino Unido, Alemanha e Israel, 5 casos de infeção pelo vírus Zika em pessoas que viajaram para a Tailândia, entre março e Junho. Os viajantes tinham visitado as regiões turísticas de Phuket, Phi Phi, Koh Samui, Khao Lak, Bangkok e Chiang Mai, sugerindo circulação e risco de transmissão generalizado do vírus no país.
Febre Amarela - Uganda
Foram reportados 200 casos suspeitos de Febre Amarela no Uganda até ao fim de junho, sem óbitos associados. Até à data apenas um caso está confirmado, numa mulher de 46 anos, não vacinada.
REUNIÕES
71st Annual Meeting of the American Society of Tropical Medicine and Hygiene (ASTMH), 30 October - 3 November 2022, Seattle Washington, United States of America
ESGITM European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases ESCMID Study Group for Infections in Travellers and Migrants Postgraduate Education Course, Migration and Health: a world on the move, 26-30 September 2022, Montisola, Italy
|
FICHA TÉCNICA
|
O surto de hepatite aguda em crianças reportado em países europeus